Lúcia Maria Xavier de Castro

Retrato ilustrado de Lúcia Maria Xavier de Castro, militante histórica do movimento negro brasileiro e fundadora da ONG Criola

Ilustração por Tassila Custodes

Lúcia Maria Xavier de Castro, conhecida como Lúcia Xavier, nasceu em 1959 no Rio de Janeiro e é uma militante histórica do movimento negro brasileiro. Filha de Neli Xavier de Castro e do operador de som Inácio Antônio de Castro.

Sua atuação é marcada por um compromisso profundo com a equidade e a justiça social, especialmente no que diz respeito às mulheres negras e às populações mais vulnerabilizadas do país. Sua perspectiva interseccional compreende como as opressões de gênero, raça e classe operam de forma conjunta para perpetuar desigualdades – o que a impulsiona a lutar por transformações estruturais em todas essas dimensões.

A infância de Lúcia foi atravessada por inúmeros desafios. Aos dois anos, perdeu o pai, que era radialista, e viu sua mãe, trabalhadora doméstica, enfrentar jornadas exaustivas para sustentar a família. Como tantas outras mulheres negras submetidas a condições de trabalho precárias e desprotegidas, sua mãe dispunha de apenas duas folgas mensais para estar com os filhos, o que a levou a matriculá-los em um colégio interno no bairro do Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Foi ali que Lúcia passou boa parte da infância, sempre amparada pelo cuidado familiar – sobretudo pela presença forte de sua avó.

"Por isso, a gente tem, eu particularmente, uma especial atenção ao trabalho doméstico, e acho que qualquer mulher negra desse país, quando começa a tratar dos problemas raciais, sobretudo da mulher negra, precisa olhar para esse lugar, né?" — Lúcia Xavier (Xavier et al., 2021)

Inicialmente interessada em cursar Direito, Lúcia mudou de ideia após uma amiga lhe mostrar um folder sobre o curso de Serviço Social. Identificando-se com a proposta, ingressou na Faculdade de Serviço Social da UFRJ e também cursou disciplinas na Universidade Federal Fluminense (UFF/Campos). Foi nesse ambiente universitário que consolidou suas frentes de militância e atuação político-profissional.

Formada em 1984, participou ativamente de movimentos pelos direitos da infância e adolescência, integrando o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e contribuindo para debates fundamentais que culminaram na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), da Constituição Federal de 1988 e da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

Em 1992, seu engajamento com as questões relacionadas às meninas negras levou à fundação da ONG Criola, ao lado de Thereza Antônio de Castro, Guaraciara Matilde Werneck, Josina Maria da Cunha e Jurema Pinto Werneck. A organização tornou-se referência nacional e internacional na luta contra o racismo, o sexismo e na promoção da igualdade racial e de gênero.

Entre 1991 e 1997, Lúcia Xavier atuou como assessora parlamentar com foco nos movimentos sociais. Nesse papel, teve participação central na criação do Disque Defesa Homossexual (DDH), serviço pioneiro no Rio de Janeiro, inaugurado em 1999, que propôs o atendimento público a pessoas LGBTQIA+ vítimas de discriminação, servindo como modelo para iniciativas em todo o país.

Destacou-se ainda como uma das organizadoras do processo preparatório da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, à Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada pela ONU em Durban, na África do Sul, em 2001. Atuou na revisão da Declaração de Durban e de seu Plano de Ação, documentos-chave para o enfrentamento das desigualdades raciais em escala global.

Sua trajetória tem sido reconhecida por diversas premiações. Em 2018, foi agraciada na IV Homenagem Maria do Espírito Santo Silva, pela valorização das defensoras dos direitos humanos, promovida pela Justiça Global. Em 2020, recebeu o I Prêmio Emerj Direitos Humanos.

Lúcia Xavier segue incansável em sua militância, movida pela força coletiva das mulheres negras. Em entrevista concedida ao Portal Geledés em março de 2025, aos 66 anos, afirmou sentir uma "esperança incrível" na ação coletiva das mulheres, especialmente das mulheres negras:

"Elas não transformam o mundo porque sofrem; elas o transformam para criar vidas com mais felicidade, alegria e condições. Essa sabedoria, esse legado, esse modo de pensar e viver a vida é muito inspirador" — Lúcia Xavier (ONU…, 2025)

A fala de Lúcia Xavier reforça a potência histórica das mulheres negras, mostrando como a ação coletiva constrói caminhos de mudança e inspira gerações a lutar por justiça, dignidade e liberdade.

Referências

BOTELHO, Jacqueline; RODRIGUES, Maria Cristina Paulo; PEREIRA, Tatiana Dahmer. Diálogos com Lúcia Xavier: uma trajetória de lutas no combate ao racismo e à opressão das mulheres negras. Trabalho Necessário, v. 19, n. 38, p. 331-374, jan.-abr. 2021.
LÚCIA Xavier. Biografias e trajetórias, Plataforma Ancestralidades, [S.l.], 13 abr. 2024.
MARQUES JUNIOR, Joilson Santana. Lúcia Xavier: uma "pegada" radical contra as violações de direitos. Em Pauta, Rio de Janeiro, v. 13, n. 36, p. 333–345, 2º sem. 2015.
ONG CRIOLA. Conheça a história, Criola, [S.l.], [s.d.]. ONU Mulheres. Por e para todas: Lúcia Xavier quer que as demandas das mulheres negras sejam atendidas nas revisões da Plataforma de Pequim, Portal Geledés, São Paulo, 3 mar. 2025.
XAVIER, Lúcia; BOTELHO, Danielle; RODRIGUES, Mariana; PEREIRA, Milena. Lúcia Xavier.In: Dicionário de Mulheres Negras. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: UERJ, 2021.